primavera sound em converseta - pt. II

Dia 28, o noise. À chegada ao Parc del Fòrum, algumas alterações, más notícias e uma boa notícia, relativamente à edição anterior do Primavera Sound.
Começando pelas alterações: o palco CD Drome tinha desaparecido, dando lugar ao palco Pitchfork, situado no mesmo local que o seu predecessor (plànol deste ano aqui); já o Vice 'néctar dos deuses' Jägermeister não desapareceu, antes foi substituído pelo palco 'já o meu paizinho os usa desde que eu me conheço como gente, portanto não pensem que descobriram a pólvora, meus meninos!' Ray-Ban Vice.
Quanto às más notícias: este ano não houve kit do festivaleiro para ninguém - programa de festas ainda distribuíam gratuitamente à entrada, mas só no primeiro dia, marcadores fluorescentes Pelikan amarelinhos nem vê-los!, e livrinho-guia-recuerdo do festival só mesmo mediante o pagamento de 1€ na banca de merchandise (ainda ofereciam uns ear-plugs, mas não é a mesma coisa!); os tickets para a aquisição de bebidas, que o ano passado eram umas senhas coloridas, no valor de 1€ cada, foram agora substituídos por uns talões de caixa registadora, que apenas permitiam a compra de uma bebida específica - o que, para além de dificultar grandemente o processo de aquisição desses mesmos tickets (as filas eram monstruosas!), não mais possibilitava, por exemplo, a compra de um 'mijo de burro' Estrella Damm de 4€, por 2€ ou 3€ (contando que o moço ou moça que se encontrava do outro lado do balcão não se desse ao trabalho de contar as senhas que lhe estavam a ser entregues. O que, diga-se em abono da verdade, era bastante frequente...); e, desgraça das desgraças!, os comes&bebes no interior do recinto eram ainda mais caros, em particular, o maravi-licoroso Jägermeister, que este ano simplesmente tinha duplicado o seu custo! - 2€ por um mísero chupito... Não há direito!
A boa notícia: o palco Vice, agora Ray-Ban, tinha mudado de sítio, o que significava não mais ter que percorrer uma escadaria de 41 247 degraus para a ele chegar... Aleluia, aleluia! (parece que o ano passado houve uns quantos acidentes nesse mítico acesso, com certeza motivados por uma falta de sangue no álcool...).
Mas passando ao que interessa, não sem antes termos perdido a cabeça na zona da fira, como, aliás, já no passado ano tínhamos feito (começa a tornar-se uma pequena tradição familiar nossa). As honras de abertura do nosso tão ansiado calvário de três dias pelo Parc del Fòrum couberam aos Women, que se preparavam para actuar com a benção do pasquim virtual Pitchfork. Confesso que esperava mais destes rapazes canadianos com nome de mulheres, sobretudo por aquilo que tinha ouvido no seu disco de estreia. Talvez seja um daqueles casos em que a transposição para o live act não é das mais felizes. Para além de uma certa timidez demonstrada (talvez resultado da inexperiência) e de uma certa afectação (talvez seja só pose), os Women parecem uma banda ainda em busca de identidade própria: será que eles querem ser barulhentos? será que eles querem ser melodiosos? será que eles pretendem atingir um equilíbrio entre ambos? A verdade é que eles dão uma no cravo e outra na ferradura, mas o resultado final é tudo menos coeso ou coerente. Ainda assim, agradável a espaços, mas com muitas, muitas arestas por limar. Para concerto de abertura, deixou um tanto ou quanto a desejar.
E foi assim, com algum amargo de boca, que nos dirigimos ao palco ATP para assistir à prestação dos Magik Markers. A coisa começou a meio gás, mas foi aquecendo à medida que os temas de "Balf Quarry" e "Boss" iam desfilando - longe vão os tempos dos devaneios experimentais dos primeiros trabalhos da banda - e que Elisa Ambrogio se ia desprendendo. Sólido indie rock, com o seu quê psych-proggy, que traz vagamente à memória uns Sonic Youth mais novinhos e com ideias mais frescas (uns Sonic Youth dos tempos áureos, portanto). O dia começava a melhorar!
Cerca de meia hora volvida, e estava na hora de nova partida. Desta feita, com destino ao palco Ray-Ban Vice, logo ali ao lado, para ver uma senhora que muita saliva tem feito jorrar aqui por estes lados: Marnie Stern. Começou muito bem, com "Transformer" logo a abrir, porque ali não se brinca em serviço. Os restantes temas sucederam-se no mesmo ritmo frenético e electrizante que se lhe conhece em disco (com direito ainda a um ou dois temas que me pareceram inéditos), e nem os mortos conseguiram deixar de pular! Grande concerto, que apenas pecou por algumas falhas minímas de execução (e, já agora, convenha-se que o baterista de serviço não era nenhum Zach Hill), mas, a quem toca guitarra assim, tudo lhe é perdoado! Também por isso, arrecada ainda o prémio "Politicamente Incorrecto & Badalhoco" pela troca de palavras entre Marnie e a baixista Malia, troca essa que, em nome da moral e dos bons costumes, eu me coíbo aqui de reproduzir.
Terminada a Marniezinha - foi um dos dois concertos a que conseguimos assistir na íntegra nesse dia - recomeçou a correria, de volta ao palco ATP. O objectivo: uma espreitadela a Lightning Bolt, só para matar saudades. Embora cause alguma estranheza vê-los actuar num palco, apartados da multidão (Lightning Bolt ao vivo é uma experiência para se viver de perto. De muito perto), a banda não se deixa vencer pela alteração ao seu modus operandi habitual. Muito pelo contrário, continuam imparáveis, incansáveis e brutais, tal como me lembrava deles, e o público ululante e sedento, não obstante a distância, corresponde com entusiasmo. Mais um grande momento noisy, e, por esta altura, a desilusão do início de dia estava mais que esquecida!
Posto isto, lá retomámos a correria, rumo ao Estrella Damm, para um cheirinho de Yo La Tengo. O pouquíssimo que vi agradou-me sobejamente - afinal, um clássico moderno é sempre um clássico moderno! - mas o cheirinho teve que ser mesmo muito breve, porque era chegada a altura de um outro clássico moderno: The Jesus Lizard... E que clássico esse!!... E a energia daquela velhadas do David Yow, ali a fazer stage-divings e a espatifar-se contra a grade, como nem um fedelho de 18 aninhos conseguiria?!... E aquele som?!... Incrível... Indescritível... Saí dali com a distinta sensação que, se não fossem os Jesus Lizard, 40 ou 50% das bandas que eu oiço hoje pura e simplesmente não existiriam. Enough said.
Finalmente, uma pausa para respirar e repôr os níveis nutricionais. A música de fundo foi proporcionada por Phoenix e The Bug, não por serem do nosso agrado, mas antes por falta de alternativas ali para os lados da zona de alimentação. Já mais confortados, preparámo-nos então para enfrentar o próximo round. No ringue já se encontravam os Dead Meadow, com o seu rock da velha guarda bem esgalhado. Uma actuação segura e pujante, que proporcionou uma interessante viagem a um passado que interessa acarinhar e preservar. Se soube a pouco, foi só porque a tirania do relógio voltou a impor-se. Estava na hora de passar ao senhor que se segue.
O senhor era, nem mais nem menos, que o ilustre Reatard, Jay Reatard. Curto e incisivo, como convém a qualquer punk-rocker que se preze, Reatard e os seus dois companheiros debitavam freneticamente os seus riffs, de um só fôlego e sem espaços em branco, numa verdadeira demonstração de 'como fazer bem'. Sem peneiras, nem virtuosismos, nem subterfúgios. Isto é punk-rock, preto no branco. E mais um grande concerto.
Pena foi não termos podido ficar até ao final, mas seria uma vergonha termos ido a este Primavera e não termos dado uma espiadela que fosse a My Bloody Valentine. Confesso que não serei das maiores apreciadoras de MBV, mas o pouco que vi também não me impressionou por aí além. Diga-se em abono da verdade que, dos cerca de dez minutos a que assisitimos, mais de metade foram unicamente preenchidos com distorção, o que não terá ajudado muito à festa.
Seguir-se-iam mais três curtas, proporcionadas, respectivamente, por Aphex Twin (início muito genérico e enfadonho, o que não nos motivou a continuar a assistir à prestação de Richard James - à medida que nos afastávamos pachorrentamente do palco Rockdelux, onde James actuava, ainda os MBV davam azo ao desvario sónico mencionado anteriormente), Wooden Shjips (mais uns senhores que conhecem de ginjeira os meandros do rock psicadélico, e que no-lo apresentam de formam exímia) e The Horrors (para ser franca, não gostei. Dito de uma forma simpática, pareceram-me e soaram-me demasiadamente vitorianos).
E por esta altura, já o dia tinha dado lugar à noite, e a noite à madrugada. E, quase sem darmos por isso, eis que chegava a hora do último concerto do primeiro dia de Fòrum, da exclusiva responsabilidade dos Wavves... Ou deverei dizer irresponsabilidade?... Bom, digo-vos apenas que não se pode acreditar em metade do que a Pitchfork diz, porque aqueles tipos gostam muito de gerar a proverbial tempestade em copo de água - nisso do sensacionalismo a P4k é doutorada e catedrática. Em particular, se esse esse copo de água for um palco por eles curado, e a tempestade uma banda que irá actuar num outro festival que eles estão a organizar. Pelos mais nobres ou mais vis motivos, o que interessa é que a Pitchfork ande nas bocas do mundo... Percebem onde eu quero chegar com isto?... Adiante. Wavves: não foi tão mau como o pintam. Aliás, a parte do concerto a que assistimos (a metade final, mais coisa menos coisa) até estava a fluir de forma bastante escorreita, e corria razoavelmente bem, com o público a aderir com entusiasmo. Não vi ali nenhum do tão propalado sarcasmo e enfado de Nathan Williams relativamente ao público catalão e à cidade de Barcelona. Apenas alguma imaturidade e o célebre amuo no final, quando o baterista Ryan Ulsh o abandona em palco, o som é cortado e o concerto termina abruptamente. Tudo o resto, meus amigos, é sexo, drogas e rock n' roll!

Top 3 do dia:
1. Marnie Stern
2. The Jesus Lizard
3. Jay Reatard

No próximo capítulo: Dia 29, o drone.

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